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Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores

Luís Manso, Frederico Cantante, Pedro Adão e Silva, Catarina Mendes Cruz, Jena Santi, Carlos Simões, Renato Miguel do Carmo

1. Introdução


A crise económica e social desencadeada pela pandemia da COVID-19 evidenciou de forma clara as fragilidades do atual sistema de proteção social, em particular a proteção do desemprego e do emprego precário. A elevada proporção de desempregados que, no seu conjunto, não são cobertos pelo subsídio de desemprego e o incipientíssimo acesso a prestações de desemprego vocacionadas para o apoio aos trabalhadores por conta própria atestam isso mesmo. A “proteção secundária do emprego” em Portugal apresentava fragilidades nítidas antes do advento da pandemia. Esta veio exponenciá-las.1


Para fazer face a algumas das limitações dos mecanismos de proteção social, desde o início da pandemia, o Governo adotou, por um lado, um conjunto de medidas de apoio direto e indireto à manutenção do nível de emprego, por outro, prorrogou a duração de recebimento do subsídio social de desemprego e aprovou, ainda, medidas extraordinárias de compensação pela redução de rendimentos do trabalho.2 Em relação a este segundo conjunto de medidas – as que dizem diretamente respeito à política em análise neste texto –, o objetivo fundamental era garantir o alargamento da cobertura do sistema de Segurança Social a grupos desprotegidos ou mitigar o risco de desproteção.


Como se referiu, esse desígnio foi concretizado, logo em março de 2020, através do prolongamento automático das prestações de desemprego até ao final de 2020 e da introdução de prestações extraordinárias de apoio à perda de rendimento dirigidas aos trabalhadores independentes e aos membros dos órgãos estatutários das empresas. O sistema de proteção do emprego, calibrado sobretudo para fazer face ao risco de desemprego do trabalho subordinado com registo de contribuições suficientes, teve de ser alargado para responder também ao risco de perda total ou parcial de rendimento de outras categorias de trabalhadores. Para enquadrar realidades sociolaborais bastante diversas, num contexto extraordinariamente exigente do ponto de vista das necessidades de apoio económico, introduziram-se vários regimes ad-hoc de proteção face à perda de emprego e de rendimento, autónomos entre si. A introdução, a partir de 1 de janeiro de 2021, do apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores visa, precisamente, dar um enquadramento comum a medidas excecionais de apoio aos desempregados e à perda de rendimento, até então dispersas.


Neste texto proceder-se-á a uma descrição do regime e regras do novo apoio, à simulação do montante desta prestação tendo em conta o perfil familiar e sociolaboral do requerente, mas também a um conjunto de reflexões em torno do “novo” apoio. 


Antes disso, importa apresentar uma análise sintética das medidas extraordinárias introduzidas, em 2020, pelo Governo para fazer face às situações de desproteção e perda de rendimentos, já que é a partir delas que a nova prestação foi desenhada.

 

                                                    

2. Uma síntese das coberturas extraordinárias de resposta à crise sanitária introduzidas em 2020


O primeiro caso de infeção em Portugal foi registado a 2 de março de 2020. Um mês após o registo da primeira infeção, Portugal contava já com 18 051 registos de infeção e 599 óbitos. A rápida evolução da pandemia levou o governo Português a adotar um conjunto de medidas restritivas não só da circulação, mas também do desenvolvimento da atividade económica (designadamente, encerramento de escolas, obrigatoriedade de teletrabalho quando possível, proibição de ajuntamentos, limitação da circulação, etc.). Estas medidas foram instrumentais para, numa primeira fase, controlar a pandemia, mas tiveram efeitos económicos e sociais muito significativos. 


No que diz respeito à proteção social, o ano de 2020 foi marcado por um conjunto de medidas que alargaram as elegibilidades das respostas já existentes. Através de uma revisão sistemática da legislação lançada em 2020 como resposta à pandemia, identificamos todas as medidas de carácter extraordinário que foram adotadas, desde o início da pandemia até ao final de 2020, com o objetivo de mitigar o impacto da crise na situação económica dos agregados familiares. A Figura 1 faz uma cronologia das medidas adotadas.


Figura 1. Medidas extraordinárias destinadas a mitigar o impacto da pandemia COVID-19 no rendimento das famílias



As primeiras medidas foram adotadas em março e vieram introduzir um conjunto de respostas imediatas a situações de desproteção:


1. Isolamento profilático é equiparado a doença, com uma prestação equivalente ao subsídio de doença no caso de trabalhadores por conta de outrem ou trabalhadores independentes do regime geral de Segurança Social, de valor correspondente a 100% da remuneração de referência.


2. O subsídio de assistência a dependentes é alargado a trabalhadores por conta de outrem do regime geral de Segurança Social no caso de assistência a filhos/netos menores de 12 anos em situação de isolamento profilático ou infeção por COVID-19. O prazo de garantia é suspenso para quem se encontra nesta situação.


3. No decorrer do encerramento dos estabelecimentos de ensino, é atribuído um apoio excecional à família para trabalhadores por conta de outrem, correspondente a dois terços da sua remuneração base. Neste caso, apenas um dos progenitores pode ser beneficiário.


4. No decorrer do encerramento dos estabelecimentos de ensino, é atribuído um apoio excecional à família para trabalhadores independentes, correspondente a um terço da base de incidência contributiva mensalizada, referente ao primeiro trimestre de 2020.


5. É atribuído um apoio extraordinário à redução da atividade de trabalhadores exclusivamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes em situação de paragem total da sua atividade ou setor de atividade económica. Este apoio é prorrogável até um limite máximo de 6 meses.


6. São prorrogadas extraordinariamente as prestações de desemprego e outras prestações de segurança social que assegurem mínimos de subsistência cujo prazo de concessão/renovação termine antes de 30 de junho de 2020.


7. São suspensas extraordinariamente as reavaliações das condições de manutenção das prestações do sistema de segurança social.


Estas seis medidas constituem o essencial das respostas de proteção social à pandemia da COVID-19, com exceção de duas medidas introduzidas em maio, contempladas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES). A legislação subsequente vem, no essencial, alargar o acesso destas prestações a outros grupos da população ou estabelecer limites aos seus valores. Em abril, um conjunto de prestações sofreram as seguintes alterações:


1.     Apoio excecional à família.


a. Este apoio é alargado a trabalhadores do serviço doméstico;


b. No caso de trabalhadores independentes, após a aplicação do limite máximo referente a 2,5 IAS,3 o valor do apoio não pode exceder o montante da remuneração registada como base de incidência contributiva.


2.  Apoio extraordinário à redução da atividade de trabalhadores exclusivamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes.


a. Este apoio é alargado a trabalhadores independentes que apresentem uma quebra abrupta de rendimentos superior a 40%;


b.   Este apoio é alargado a sócios-gerentes de sociedades e órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas com funções equivalentes;


c. Atualiza o valor o valor dos casos referidos no ponto 2.a., indexando o valor à quebra de faturação expressa em termos percentuais. 



Em maio, no âmbito do PEES, são estabelecidos dois novos apoios sociais:


1. São enquadradas as situações de desproteção social para pessoas que não se encontram obrigatoriamente abrangidas por um regime de segurança social e que declarem o início, ou reinício, de atividade independente, junto da administração fiscal. Este apoio é sujeito a condição de recursos e implica o enquadramento no regime de Segurança Social dos trabalhadores independentes e manutenção da atividade durante pelo menos 24 meses. O valor deste apoio corresponde a ½ IAS e tem a duração de 2 meses.


2. Aprovação da medida extraordinária de incentivo à atividade profissional sob a forma de apoio aos trabalhadores que, em março de 2020, se encontravam exclusivamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes. Durante o período de aplicação desta medida, o trabalhador independente passa a ter direito a um apoio financeiro com a duração de um mês prorrogável até um máximo de três meses com o limite máximo equivalente ao valor de ½ IAS. 


Ainda em maio são lançadas mais duas medidas importantes associadas ao rendimento social de inserção (RSI) e subsídio desemprego:


1. Na sequência destas medidas temporárias de reforço da proteção social, passam a ser elegíveis para o subsídio social de desemprego inicial os trabalhadores que tenham:


a. 90 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data de desemprego. Nestes casos o subsídio tem uma duração de 90 dias;


b. 60 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data de desemprego, nos casos em que este tenha ocorrido por iniciativa da entidade empregadora durante o período experimental. Nestes casos o subsídio tem uma duração de 60 dias.


2.  É também simplificado o regime de acesso ao RSI, que deixa de depender da celebração do contrato de inserção. 


Em julho são lançadas mais cinco medidas de proteção social:


1.  Os titulares do abono de família para crianças e jovens que perfaçam até 16 anos, inclusive, até 31 de dezembro de 2020, correspondentes aos 1.º, 2.º e 3.º escalões de rendimentos do agregado familiar, têm direito a receber, no mês de setembro de 2020, uma prestação complementar;


2.  Para efeitos do cálculo do montante das prestações do rendimento social de inserção (RSI) a receber pelos trabalhadores dependentes, é considerado, até dezembro de 2020, o valor da remuneração registada no mês imediatamente anterior à data do pedido. Em simultâneo, as prestações de RSI que foram prorrogadas extraordinariamente são objeto de reavaliação em função dos rendimentos do mês anterior;


3. É prorrogada extraordinariamente de forma automática, até 31 de dezembro de 2020, a atribuição do subsídio social de desemprego cujo período de concessão termine até essa data;


4. São ainda reavaliadas as prestações de abono de família para crianças e jovens pertencentes a agregados familiares que tenham registado uma queda abrupta de rendimentos nos últimos três meses;


5. Os prazos de garantia para o acesso ao subsídio de desemprego são reduzidos para 180 dias no período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego.


Em setembro, a única alteração foi referente ao subsídio de doença. Nos casos de doença por COVID-19, a atribuição do subsídio de doença passou a corresponder a 100% da remuneração de referência ilíquida e a ter o limite máximo de 28 dias – ao qual é descontado o período em que se esteve em isolamento profilático. A cada 14 dias, a situação é reavaliada por um médico, que deve atestar a data de início e fim da doença. Após os 28 dias iniciais, o subsídio de doença deixa de ser pago a 100% e são adotadas as suas percentagens originais.


A última alteração chega em novembro e procedeu ao ajuste da fórmula de cálculo para os casos de subsídio de desemprego que tenham mais 180 e menos 360 dias de registos de remunerações.



3. O apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores: uma prestação compósita


O apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores é uma prestação que tem como objetivo “assegurar a continuidade dos rendimentos” dos trabalhadores que se encontram numa situação de desproteção económica, isto é, “não reúnam as condições de acesso às prestações sociais que protegem na eventualidade de desemprego, ou tendo acedido às mesmas, estas tenham terminado”. Consiste por isso numa agregação nominal de medidas destinadas a: garantir a prorrogação automática das prestações de desemprego; abranger pelas prestações de desemprego trabalhadores desempregados que não cumprem os prazos de garantia (tempo de contribuições) vigentes antes da pandemia (reduzindo para três meses o tempo necessário de contribuições); cobrir trabalhadores que transitaram do emprego para o desemprego durante a pandemia e não tiveram acesso a qualquer apoio ao desemprego ou à perda de rendimento; mitigar a perda de rendimentos do trabalho em virtude da crise económica causada pela pandemia da COVID-19. O novo apoio tem, portanto, uma natureza necessariamente compósita, no sentido em que sob o chapéu de um mesmo apoio existem vários regimes, que seguem regras próprias e visam garantir apoio económico face a um conjunto diversificado de situações previstas no art. 156/2 da Lei n.º 75-B/2020. A Tabela 1 sintetiza estas situações:



O apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores não consiste, no entanto, numa mera agregação de medidas extraordinárias aprovadas em 2020. Do ponto de vista do seu alcance, o novo apoio visa alargar a rede de proteção a categorias de trabalhadores até agora desprotegidas. Prevê também que o montante do subsídio social de desemprego e das prestações de desemprego vocacionadas para proteger os trabalhadores independentes e os membros dos órgãos estatutários4 passem a ter um valor máximo comum5 – correspondente ao limiar de pobreza.6


A utilização do limiar de pobreza de 2018 (501,16 euros) como critério de mensuração de “insuficiência económica” dos trabalhadores é, na verdade, o principal instrumento de uniformização das várias medidas que constam do novo apoio social. Tal como acontece na determinação do limiar de pobreza, também a aferição da situação de insuficiência económica prevista neste apoio tem como referência o rendimento equivalente do agregado familiar, calculado de acordo com a escala de capitação do rendimento definida na lei da condição de recursos e tendo em consideração um conjunto específico de rendimentos (os mesmos do subsídio social de desemprego, com exceção do imóvel destinado a habitação permanente).7 Mas enquanto o limiar de pobreza apurado pelo INE é definido a partir do rendimento disponível (ou líquido) por adulto equivalente, as condições de elegibilidade no acesso a este apoio têm como referência o rendimento ilíquido. Isto significa que o rendimento disponível equivalente das famílias elegíveis para o novo apoio se situa abaixo do limiar de pobreza de 2018.


A utilização da condição de recursos como critério de elegibilidade não se coloca apenas em relação ao acesso às prestações de desemprego. Esse critério é também estruturante na definição da elegibilidade nas situações de perda de rendimentos em virtude da pandemia por parte dos trabalhadores independentes e dos membros dos órgãos estatutários. Apenas aqueles cujo rendimento familiar equivalente se situe abaixo deste patamar são elegíveis para beneficiar do novo apoio. 


Deste modo, o acesso às prestações de desemprego, nomeadamente ao subsídio social de desemprego por parte dos TCO e às prestações de desemprego destinadas aos TI e MOE, mas também o apoio à perda de rendimentos do trabalho em virtude da pandemia, é tendencialmente baseado em condições de recursos, mensuradas a partir do rendimento familiar equivalente.8 O apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores baseia-se, portanto, em regras de elegibilidade tipicamente uniformes. O mesmo não acontece com o apuramento do montante da prestação.


A determinação da (in)suficiência económica dos trabalhadores por conta de outrem que estejam desempregados (incluindo os trabalhadores do serviço doméstico e os trabalhadores estagiários) tem como referência o rendimento equivalente do agregado familiar, mas no caso dos trabalhadores independentes e dos membros dos órgãos estatutários essa avaliação tem como base o rendimento relevante declarado. As regras de cálculo do montante deste apoio diferem, portanto, consoante o perfil sociolaboral dos trabalhadores. A Tabela 2 sintetiza as regras de cálculo do montante do apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores:




4. Exercício fictício entre medidas de apoio e universos de apoio


De acordo com o que foi referido anteriormente, o apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores pretende garantir rendimentos a quem, devido à pandemia COVID-19, se encontra numa situação de desproteção económica por desemprego ou por quebra de rendimentos ou faturação.


Neste sentido, tendo em conta os diversos destinatários já mencionados, são cinco as categorias do universo de apoio, nomeadamente (1) trabalhadores por conta de outrem, estagiários, serviço doméstico com contrato mensal; (2) trabalhadores independentes; (3) membros de órgãos estatutários; (4) gerentes de micro e pequenas empresas e trabalhadores em nome individual; (5) trabalhadores de serviço doméstico com contrato horário ou diário, passíveis de se enquadrarem em sete medidas previstas (ver quadros em anexo).


De forma a exemplificar e a concretizar esta medida, é apresentado de seguida um exercício fictício com quatro cenários hipotéticos que pretendem corresponder a alguns dos universos referidos com o tipo de apoio associado e pretendem ilustrar, desta forma, realidades elegíveis para o apoio desta prestação.







Os valores de cada um dos cenários hipotéticos apresentados foram realizados no simulador do apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores desenvolvido pela DataLABOR onde é possível, de acordo com a informação disponibilizada, calcular o valor e o tempo de duração desta prestação.


Para todos os cenários que apresentamos, o património mobiliário é inferior a 240 IAS, ou seja, 105.314,40 euros.



5. Reflexões finais: uma simplificação que complexifica?


O apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores é, sobretudo, uma prestação que agrega um conjunto de prestações, introduzidas em 2020, orientadas para a proteção no desemprego e para a mitigação das quebras de rendimento, num contexto de pandemia. Do ponto de vista das coberturas previstas neste apoio, a principal novidade prende-se com a medida que visa proteger os trabalhadores que não tiveram acesso, em 2020, a qualquer forma de proteção do emprego e do rendimento. Os trabalhadores que ficaram sem trabalho e sem rede. Desconhece-se, contudo, o universo exato destes trabalhadores e, por conseguinte, o alcance estimado desta medida na cobertura dos trabalhadores não abrangidos. O novo apoio uniformizou também, pelo menos tendencialmente, as regras de elegibilidade de um conjunto de prestações extraordinárias, implementadas ao longo de 2020, designadamente por via da introdução de condição de recursos e da referenciação do valor máximo das prestações ao limiar de pobreza.


Tal como já se referiu, o apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores tem, portanto, uma natureza compósita, no sentido em que é constituído por prestações que visam proteger riscos diversificados. Teoricamente, simplifica, ordena e agrega uma teia complexa de prestações ad hoc até agora dispersas. Embora seja prematuro tecer avaliações de teor mais definitivo e informadas por dados ainda indisponíveis, importa problematizar o desenho, a estrutura da nova medida.


Até que ponto o esforço de agregação de medidas dispersas, arrumadas nominalmente sob um mesmo chapéu, não foi levado demasiado longe, dificultando ainda mais a compreensão do regime e das regras de cada uma das medidas em causa? Não teria sido mais racional garantir a diferenciação nominal das prestações agregadas nesta medida, de acordo com o tipo de risco coberto, calibrando-as a partir de regras comuns, designadamente ao nível da elegibilidade e do cálculo dos montantes? Ou, até, alternativamente, trabalhar apenas na flexibilização e adequação extraordinária de prestações preexistentes (designadamente, o subsídio de desemprego, o subsídio social de desemprego e o rendimento social de inserção) ao novo contexto?


A problematização do novo apoio coloca-se não só no plano da eficácia e pertinência do seu desenho ou da sua estrutura, mas também em relação a um conjunto de regras que nele estão incluídas. Por exemplo, a obrigatoriedade de os trabalhadores desprotegidos descontarem nos 30 meses para o sistema previdencial da Segurança Social é uma regra desproporcional e que pode afastar potenciais trabalhadores, tendo em conta que muitos deles podem ter perspetivas pouco animadoras do ponto de vista do emprego e do rendimento. Ainda em relação a este regime, faz pouco sentido que um trabalhador por conta de outrem desprotegido tenha de se registar como trabalhador independente para ter acesso a este apoio. Num outro plano, não é claro se os beneficiários de subsídio social de desemprego que tenham iniciado o recebimento da prestação em 2020, e a mesma continue ativa em 2021 (sem prorrogação automática), ficam sujeitos às novas regras de elegibilidade e de cálculo do montante do novo apoio – esta questão tem influência direta no montante da prestação e na existência de eventuais desigualdades.


Há um terceiro nível de problematização do novo apoio que se prende com a sua relação com outras prestações do sistema de Proteção Social de Cidadania da Segurança Social, designadamente com o rendimento social de inserção. Pode a cobertura excecional de trabalhadores desprotegidos implicar uma desigualdade face aos beneficiários daquela prestação de último recurso, contribuindo para agudizar ainda mais a sua estigmatização? Não se pretende responder neste texto a esta interrogação. Mas ela é um bom mote para um debate mais abrangente, que integre o apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores numa reflexão integrada acerca da proteção do emprego e do rendimento em Portugal.



Anexos













1 Caldas, J. C., Silva, A. A., e Cantante, F. (2020). As consequências socioeconómicas da COVID-19 e a sua desigual distribuição. CoLABOR.    

2 Mamede, R. P., Pereira, M. T., e Simões, A. (2020). Portugal: Uma análise rápida do impacto da COVID-19 na economia e no mercado de trabalho. Organização Internacional do Trabalho.   

3 Indexante dos apoios sociais correspondente a 438,81€ em 2020.

4 Nomeadamente, os trabalhadores independentes e os membros de órgãos estatutários com funções de direção, abrangidos pela alínea a) do n.º 2 do art.º 156º, e cujas atividades se encontrem sujeitas ao dever de encerramento por determinação por via legislativa ou administrativa de fonte governamental no âmbito da pandemia COVID-19.

5 Os trabalhadores por conta de outrem, incluindo os trabalhadores do serviço doméstico, cuja prestação de subsídio social de desemprego se inicie após 1 de janeiro de 2021, têm direito, no decurso do ano de 2021, a um complemento extraordinário na diferença entre o valor do apoio extraordinário a que teriam direito e o valor do subsídio social de desemprego, se este for inferior.

6 O limiar de pobreza corresponde ao rendimento abaixo do qual se considera que uma família se encontra em risco de pobreza. Este valor foi convencionado pela Comissão Europeia como sendo o correspondente a 60% da mediana do rendimento disponível por adulto equivalente de cada país. Em 2018, equivalia a 501,17€.

7 O rendimento mensal por pessoa do agregado familiar resulta da soma de todos os rendimentos mensais do agregado familiar do requerente, a dividir pelos elementos do seu agregado familiar, considerando a seguinte ponderação por cada elemento: requerente = 1; 2.º indivíduo maior = 0,7; indivíduo menor = 0,5. No caso de um agregado familiar composto por dois adultos e duas crianças dependentes, com um rendimento agregado de 1000 euros, o rendimento por adulto equivalente é apurado da seguinte forma: 1000/2,7 (1+0,7+0,5+05), ou seja, 370,4 euros. 

8 Há exceções a esta regra, nomeadamente quando a situação de desemprego ou de perda significativa de rendimentos é resultante de paragem de atividade por decreto governamental.